Ouvindo Sabiá da Elba Ramalho
E Suíte dos pescadores do Dorival Caimmy pela primeira vez
A calçada é a sala de estar do pobre
Brincando de pique esconde no matagal atrás do Sexto Batalhão
Eu vi minha infância passar
Minha mãe me pôs na escola de música com 3 anos de idade
E aprendi meus primeiros acordes no piano
Curioso como não lembro de nada
As maiores emoções vinham jogando bola, chutando paralelepipedo
Algum tempo depois vi o Brasil sendo Tetracampeão e dei o meu primeiro beijo
Aonde ela está? O que ela faz hoje em dia?
Talvez eu nunca vá saber
Já gostava de uma garota chamada Sara
Que eu sonhava em ser minha namoradinha
Ouvindo Offspring pela primeira vez
Ouvindo rock pela primeira vez
E me apaixonando
Aos 11 anos larguei a escola de música que fiquei tantos anos
E chorei
Logo depois aprendi a tocar contra-baixo e entrei na minha primeira banda
Uma banda de usários de drogas e deliquentes com mais de vinte anos
Foram bons tempos
Ouvindo Outkast e me emocionando com música pela primeira vez
E criando um romance na minha cabeça
Eu sinto falta da inocência desses tempos
Mas em pouco tempo algo de profundo e doloroso e noturno nascia em meu coração
Uma noção da existência absurda e um autoconhecimento brutal
Apesar de estar ao redor de todas as drogas eu não usei nenhuma
Talvez por bondade dos meus companheiros de banda
Que não deixavam eu usar no início
Ouvindo Deftones pela primeira vez e tocando Deftones
Logo depois eu transei pela primeira vez
Aonde ela está? O que ela faz hoje em dia?
Talvez eu nunca vá saber
Sequer lembro do nome dela
Logo depois que transei comecei a beber e a fumar
Descobrindo Chico Buarque aos 15 anos comecei a tocar violão
E principalmente a pensar em talvez ser músico de verdade
Aí a inocência acabou
A partir do momento que eu vi que eu conseguia roubar as coisas,
que eu conseguia ser um bom ladrão, eu aprendi a tocar violão de verdade e não
parei depois disso
Criando sua própria música a música perde um pouco do valor
Ou ganha um valor diferente
Mas depois desse dia eu nunca mais ouvi música da mesma maneira
É um privilégio poder tocar um instrumento
É um privilégio ter uma banda
Mas ao mesmo tempo é um fardo
Quando você aprende a tocar uma música
Ela perde um pouco do seu valor
Ou ganha um valor diferente
Não sei
Mas as coisas começaram a ter outros valores
Sexo, bebida, dinheiro
Tudo que todo mundo queria era ter um boné Von Dutch e um V3
Me fala quantos de nós tivemos um V3 e um boné Von Dutch original?
O que isso diz sobre a gente?
Nós não mudamos
Hoje em dia a gente quer ter as mesmas coisas com outros nomes
O mundo não muda, é a gente que tem de tentar mudar
Até os 16 anos a gente tava bebendo na calçada
Jogando conversa fora
Vendo todo mundo passar
Fumando escondido
Mas então eu criei uma banda com o Gustavo e outros amigos
Uma pequena fagulha do que seria a banda Lupe de Lupe
Não existia sequer a ideia de gravar as próprias músicas
Não existia sequer a ideia de gravar
Mas já compunhamos e tocávamos em festas para os amigos e inimigos
Foi brilhante
Ouvindo Arctic Monkeys e então ouvindo Los Hermanos
Eu sinto falta desse tempo
O passado dura pra sempre
Eu estava certo
A internet só chegou para todos nós com 16 anos
E com a internet o capital
E com o capital as ansiedades
E com as ansiedades a faculdade batendo na porta
Ouvindo Tom Jobim e João Gilberto e Kanye West pela primeira vez
E me emocionando
Eu cresci sem rédeas, descalço e sem camisa
Eu ficava na rua o dia inteiro
Mas algo muda quando a gente faz sexo
Algo muda quando a gente ganha dinheiro
E nessa época todos fodiam muito
E fodiam com o mundo
Quando eu era novo eu só pensava
Você ainda vai ver
Você ainda vai ver a beleza que eu tenho
Dedos médios pra cima todo o dia
Sem preocupações nem lei
Então, entrei na UFMG pra cursar letras
E ouvi Lupe de Lupe pela primeira vez quando tocamos juntos
E ouvi ninguém é perfeito, Elliott Smith gostava do rush
Mas eu me emocionei com a ideia de fazer parte de uma banda que ia lançar discos
Menor o valor de um homem, maior seu orgulho
E toda a violência que fez parte da minha vida foi voltando a minha memória
Toda a violência que eu tinha esquecido e deletado da minha história
E com a violência a ânsia de vencer
A vontade de provar pra todo mundo que eu também posso
O que havia sido criado na minha cabeça desda primeira vez que ouvi Nas
Agora se solidificava
Letras, letras, letras
Eu tinha de fazer letras boas e as pessoas de alguma forma iriam me ouvir
Ouvindo Sonic Youth pela primeira vez
Sentindo que cheguei tarde demais para fazer música
Mas que era divertido demais fazer música
Nessa época li uma passagem do Lovecraft sobre o mundo dos sonhos que foi
reascendida recentemente jogando Bloodborne
«Pois embora Kuranes fosse um monarca no mundo dos sonhos, com todas as pompas
e maravilhas, esplendoros e belezas, êxtases e deleites, novidades e excitações
imagináveis ao seu alcance, ele teria graciosamente renunciando para sempre a
todo seu poder, luxo e liberdade por um dia abençoado como um simples garoto
naquela pura e tranquila Inglaterra, aquela antiga, amada Inglaterra que
moldara seu ser, e da qual sempre seria uma parte imutável»
No entanto, agora Inês é morta
Ouvindo Bob Dylan e se emocionando
Eu sentia que aquilo eram as músicas dos deuses
Imperfeita do jeitinho que os deuses criaram nós humanos
Humanos que foram um dia cantados por deuses
E então foram criados
Era óbvio que tinha de cantar sobre a realidade
E sobre a realidade eu cantei
Mas qual a diferença entre realidade e sonho afinal
A única diferença é o acordar
Acordar
Olhar no espelho
Escovar os dentes
Tomar um banho
A existência é uma mentira
Morrer é como desligar a tv
Morrer é como acordar
Ouvindo Burial pela primeira vez
Ouvindo Kyary Pamyu Pamyu pela primeira vez
Ouvindo Krallice pela primeira vez
Ouvindo Gil Scott-Heron pela primeia vez
Ouvindo Gipsy Kings pela primeira vez
Ouvindo Earth Wind and Fire pela primeira vez
E me fortalecendo com tudo isto que foi criado nesse mundo
E tendo o luxo de dizer que não sou obrigado a ser amigo de gente chata igual
você
Igual você
Igual você
Eu já tenho centenas de amigos
Tenho uma namorada que eu amo
O mundo é feito de idiotas
E apesar de tudo que eu faço ou mudo
Eu era mais um deles
Infelizmente
A ignorância é uma dádiva
Cesar chorou porque não tinham mais mundos para conquistar
Aos 23 anos lancei minha primeira mixtape
Aos 24 anos fiz minha primeira turnê
Aos 25 conheci conheci minha namorada que namoro até hoje
Aos 26 lancei mais discos e fiz mais uma turnê
Aos 27 lancei mais discos e fiz mais uma turnê
Aos 28 estou aqui lançando mais discos e fazendo mais turnês
A existência é uma mentira
Mas nas noites de sofrimento e desespero
Eu sinto um amor tão grande por tudo o que eu fiz
E por todos que eu conheço e pela minha namorada
Que, com a boca doendo de tanto beijar
Com a língua gasta de tanto transar
Eu me deito
E parece que o dia começou de novo
Parece que a vida começou de novo
E é um dia lindo
É uma vida linda
A música foi uma forma de me ligar com milhares de pessoas
E que amor que eu sinto por todas essas pessoas
É de tirar o fôlego
Eu tenho sorte demais
E quando eu estiver no leito de morte vou dizer
Foda-se, o monolito negro sempre me pareceu uma lápide mesmo
Enfim
Com 28 anos eu ainda sou forte, resistente e tão cego quanto o meu pai
TanyaRADA пишет:
- спасибо! От Души!!! ( Улыбаюсь...)все так!!!Liza пишет:
Любимая песня моей мамы